sábado, 9 de novembro de 2013

Criador dos sons, sobrenome Gomes...


"Essa é uma das chapas da célebre fogueira "gran finale" (que eu leio "rompimento com o passado"), do excelente Luthier Roberto Gomes, imagem esta, que poderia ter sido capa da Revista Rolling Stone, em 2011. 

Foi a coisa mais Rock 'n' Roll que poderia ter acontecido no universo do violão... Adoro essa! 

Pensar que o Sr Roberto já morou bem próximo da minha casa, poderia ter doado esse violão aí pra minha escola... :(

Saúde pro Sr Gomes!"


Entrevista de 2006:
http://www.polemicos.com.br/entrevistas/roberto_gomes.php

PS. Publicado no Facebook em 7 de Novembro de 2013.

terça-feira, 5 de março de 2013

Aniversário do Maestro Heitor Villa-Lobos

( 5 de Março de 1887, Rio de Janeiro - 17 de Novembro de 1959, Rio de Janeiro)

Infância

Filho da dona-de-casa Noêmia Villa-Lobos e do funcionário da Biblioteca Nacional e músico amador Raul Villa-Lobos, Heitor Villa-Lobos nasce a 5 de março de 1887, no bairro de Laranjeiras, Rio de Janeiro. Além da cidade do Rio de Janeiro, Villa-Lobos reside com a família em cidades do interior do estado do Rio de Janeiro (Sapucaia) e de Minas Gerais (Cataguazes e Bicas) durante os anos de 1892-1893. Nessas viagens, conhece as modas caipiras e os tocadores de viola, que formam parte do folclore musical brasileiro e que, mais tarde, vem a universalizar-se em suas obras.
Ao retornarem ao Rio de Janeiro, os Villa-Lobos transformam sua casa num ponto de encontro de nomes respeitados da época, que ali se reúnem, todos os sábados, para tocar até altas horas da madrugada. Esse hábito, que dura anos, influi decisivamente na formação musical de Villa-Lobos que, logo cedo, inicia-se na música.
A partir dos seis anos de idade, aprende, com o pai, a tocar clarinete e violoncelo (este último em uma viola especialmente adaptada). Raul Villa-Lobos ainda lhe obriga a exigentes exercícios de percepção musical que incluem o reconhecimento de gênero, estilo, caráter e origem de músicas, de notas musicais e ruídos.
Foi também nessa época, e graças à sua tia Fifina (que lhe apresenta os prelúdios e fugas do "Cravo Bem Temperado"), que Tuhú (seu apelido de infância) fascina-se pela obra de Johann Sebastian Bach, compositor que acaba por servir-lhe de fonte de inspiração para a criação de um de seus mais importantes ciclos, o das nove "Bachianas Brasileiras".

Contato com Chorões

Ao voltar ao Rio de Janeiro, a música praticada nas ruas e praças da cidade também passa a exercer sobre ele um atrativo especial. É o "choro", composto e executado pelos "chorões", músicos que se reunem regularmente para tocar por prazer e, ainda, em festas e durante o carnaval. Tal interesse leva-o a estudar violão escondido de seus pais, que não aprovam sua aproximação com os autores daquele gênero, considerados marginais.
No início dos anos 20, como conseqüência desse envolvimento com o choro, começa a compor um ciclo de quatorze obras, para as mais diversas formações, intitulado "Choros"; nasce aí uma nova forma musical, onde aquela música urbana se mescla a modernas técnicas de composição. 


Viagens pelo Brasil

Com a morte de Raul Villa-Lobos, em 1899, Noêmia não consegue mais conter o filho.
Em 1905, Villa-Lobos parte em viagens pelo Brasil. Visita os estados do Espírito Santo, Bahia e Pernambuco, passando temporadas em engenhos e fazendas do interior, em busca do folclore local.
Em 1908, chega à cidade de Paranaguá, estado do Paraná, lá permanecendo por dois anos, tocando violoncelo para a alta sociedade local e violão para os jovens.
Entre os anos de 1911 e 1912 faz parte de uma excursão pelo interior dos estados do Norte e do Nordeste. É nesse momento que conhece a Amazônia - fato ainda não comprovado - o que marca, segundo ele, profundamente sua obra.
De volta ao Rio de Janeiro, conhece aquela com quem se casa em 1913: Lucília Guimarães. 

Maioridade Artística

O ano de 1915 marca o início da apresentação oficial de Villa-Lobos como compositor, com uma série de concertos no Rio de Janeiro. Na época, casado com a pianista Lucília Guimarães, ganha a vida tocando violoncelo nas orquestras dos teatros e cinemas cariocas, ao mesmo tempo em que escreve suas obras. Os jornais publicam críticas contra a modernidade de sua música. Anos mais tarde, o compositor faz questão de explicar:
"Não escrevo dissonante para ser moderno. De maneira nenhuma. O que escrevo é conseqüência cósmica dos estudos que fiz, da síntese a que cheguei para espelhar uma natureza como a do Brasil. Quando procurei formar a minha cultura, guiado pelo meu próprio instinto e tirocínio, verifiquei que só poderia chegar a uma conclusão de saber consciente, pesquisando, estudando obras que, à primeira vista, nada tinham de musicais. Assim, o meu primeiro livro foi o mapa do Brasil, o Brasil que eu palmilhei, cidade por cidade, estado por estado, floresta por floresta, perscrutando a alma de uma terra. Depois, o caráter dos homens dessa terra. Depois, as maravilhas naturais dessa terra. Prossegui, confrontando esses meus estudos com obras estrangeiras, e procurei um ponto de apoio para firmar o personalismo e a inalterabilidade das minhas idéias". 

Semana da Arte

No Brasil do início do século XX, a influência européia (mais especificamente, francesa) e a permanência do espírito conservador do fim do século XIX incomodam a juventude, que começa a reagir a tudo isso. Surge, então, um movimento chamado Modernista que, em fevereiro de 1922, é oficializado em São Paulo, através da Semana de Arte Moderna. Atividades de vários campos da arte são apresentadas no Theatro Municipal daquela cidade.


Convidado por Graça Aranha, Villa-Lobos aceita participar dos três espetáculos da "Semana", apresentando, dentre outras obras, as "Danças Características Africanas". 

Viagens pela Europa

Já bastante conhecido no meio musical brasileiro, alguns de seus amigos começam a incentivá-lo a ir à Europa, e apresentam à Câmara dos Deputados um projeto para financiar sua ida a Paris. Em meio a protestos que condenam a iniciativa, a proposta é aprovada e Villa-Lobos parte, em 1923, para o que seria sua primeira viagem ao Velho Continente. Ao chegar, Debussy - uma de suas grandes inspirações - já não é mais vanguarda, e artistas e intelectuais da efervescente capital francesa voltam seus olhos e ouvidos para os compositores russos, como Igor Stravinsky, que fazem música original, moderna e de caráter nacionalista.
Desconhecido, Villa-Lobos começa a entrar no ambiente artístico parisiense através de Tarsila do Amaral e de outros artistas plásticos brasileiros; Arthur Rubinstein - que já o conhece do Brasil - e o soprano Vera Janacópulos divulgam suas obras em recitais por vários países.
Em função de um drástico corte no orçamento inicial solicitado, e apesar do apoio financeiro de um grupo de amigos e mecenas, Villa-Lobos se vê, em 1924, forçado a voltar ao Rio de Janeiro. Em sua chegada ao Brasil, é assim saudado pelo poeta Manuel Bandeira:
"Villa-Lobos acaba de chegar de Paris. Quem chega de Paris espera-se que chegue cheio de Paris. Entretanto, Villa-Lobos chegou cheio de Villa-Lobos. Todavia uma coisa o abalou perigosamente: a 'Sagração da Primavera', de Stravinsky. Foi, confessou-me ele, a maior emoção musical da sua vida.(...)".
Em 1927, o compositor retorna a Paris para uma temporada de três anos, desta vez em companhia de Lucília Villa-Lobos, para organizar concertos e publicar várias obras pela editora Max-Eschig, à qual é apresentado quando de sua primeira ida à França. Faz mais amigos, e artistas como Magda Tagliaferro, Leopold Stokowski, Maurice Raskin, Edgar Varèse, Florent Schmitt e Arthur Honneger freqüentam sua casa e participam das feijoadas dos domingos.
A partir dessa segunda temporada na capital francesa, ganha prestígio internacional, apresentando suas composições em recitais e regendo orquestras nas principais capitais européias. Causa forte impressão no público e na crítica, ao mesmo tempo em que provoca reações por suas ousadias musicais.
No segundo semestre de 1930, Villa-Lobos - a convite - retorna ao Brasil, provisoriamente, para a realização de um concerto em São Paulo. Contudo, não prevê que, neste seu retorno, está inaugurando um novo capítulo em sua biografia. 

O Educador

Villa-Lobos preocupa-se com o descaso com que a música é tratada nas escolas brasileiras e acaba por apresentar um revolucionário plano de Educação Musical à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. A aprovação do seu projeto leva-o a mudar-se definitivamente para o Brasil.
Em 1931, reunindo representações de todas as classes sociais paulistas, organiza uma concentração orfeônica chamada "Exortação Cívica", com a participação de cerca de 12 mil vozes.
Após dois anos de trabalho em São Paulo, Villa-Lobos foi convidado oficialmente por Anísio Teixeira, então Secretário de Educação do Estado do Rio de Janeiro, para organizar e dirigir a Superintendência de Educação Musical e Artística (SEMA), que introduz o ensino da música e do canto coral nas escolas.
Como conseqüência do seu trabalho educativo, embarca para a Europa, em 1936, como representante do Brasil no Congresso de Educação Musical em Praga.
De retorno ao Brasil, ainda em 1936, une-se à sua secretária, Arminda Neves d'Almeida.
Com o apoio do então presidente da República, Getúlio Vargas, organiza concentrações orfeônicas grandiosas que chegam a reunir, sob sua regência, até 40 mil escolares, e, em 1942, cria o Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, cujos objetivos são: formar candidatos ao magistério orfeônico nas escolas primárias e secundárias; estudar e elaborar diretrizes para o ensino do canto orfeônico no Brasil; promover trabalhos de musicologia brasileira; realizar gravações de discos etc. 

Villa-Lobos nos Estados Unidos
 
"Irei aos Estados Unidos somente quando os americanos quiserem me receber como eles recebem a um artista europeu, isto é, em razão das minhas próprias qualidades e não por considerações políticas...".
Apesar dessa resistência inicial - é o momento da chamada "política da boa vizinhança" praticada pelos EUA com aliados na 2ª Guerra Mundial -, Villa-Lobos, convencido pelo maestro Leopold Stokowski, aceita o convite do maestro norte-americano Werner Janssen para uma turnê pelos EUA, em 1944.
A partir daí, retorna àquele país várias vezes, onde rege e grava suas obras, recebe homenagens e encomendas de novas partituras, além de estabelecer contato com grandes nomes da música norte-americana, fechando, assim, o ciclo de sua consagração internacional.
Villa-Lobos morre de câncer, em 17 de novembro de 1959, no Rio de Janeiro.

"Era um espetáculo. Tinha algo de vento forte na mata, arrancando e fazendo redemoinhar ramos e folhas; caía depois sobre a cidade para bater contra as vidraças, abri-las ou despedaçá-las, espalhando-se pelas casas, derrubando tudo; quando parecia chegado o fim do mundo, ia abrandando, convertia-se em brisa vesperal, cheia de doçura. Só então percebia que era música, sempre fora música". 

Crônica de Carlos Drummond de Andrade publicada quando Villa-Lobos morreu.

Fonte: 

http://www.museuvillalobos.org.br/


 

sexta-feira, 1 de março de 2013

sábado, 23 de fevereiro de 2013

ENTREVISTA COM O VIOLONISTA FLÁVIO APRO


O início dos teus estudos foi como a grande maioria dos violonistas, indo pra uma escola de música da sua cidade natal?

Sim, foi em São Paulo aos cinco anos de idade. Eu era uma criança hiperativa e, como gostava muito de ouvir música, minha mãe decidiu comprar um violão por dois motivos - o primeiro para que eu me acalmasse um pouco e a deixasse em paz, e o segundo porque eu era tão ávido por música que sempre pedia, nas datas comemorativas, coleções completas de discos de bandas de rock que eu gostava na época, como Beatles, Queen, etc. De modo que foi uma decisão que resolveu vários problemas ao mesmo tempo :)  Ela também me matriculou num pequeno conservatório no bairro do Tatuapé, do qual saíram, curiosamente, além de mim, outros músicos de renome. Apesar de ser aluno formal, afirmo que minha formação foi autodidata, no sentido de que eu decidi muito cedo aprender violão clássico ao invés de popular e lembro, claramente, ter desenvolvido a leitura musical por associações dos sinais gráficos, ter descoberto sozinho como funcionava a transposição do violão, e ter também descoberto o repertório violonístico - naquela época não havia a internet, eu recorria às coleções de discos dos pais dos meus amigos e a programas na televisão para conhecer as obras, além de também ouvir discos de música clássica em geral. Foi assim, por exemplo, que eu descobri a Chaconne de Bach, numa gravação do original para violino, e imediatamente, sem conhecer as versões para violão, imaginei: “isso dá para tocar no violão e ficaria muito bom...” Esse foi o começo de minha trajetória na música.

E o encontro com a violonista Monina Távora, se deu de que forma? Você ainda utiliza algum conceito da metodologia que ela aplicava?

Foi um divisor de águas na minha formação musical. Eu já tocava violão clássico há muitos anos e tive mestres fantásticos que me deram uma ótima formação. Mas eu ainda sentia que algo estava travado, não sabia exatamente o quê. Meu ídolo do violão era - e continua sendo - o Sérgio Abreu. Eu o procurei quando tinha 16 anos, e fui ao Rio de Janeiro com a única finalidade de conhecê-lo. Perguntava a ele sobre tudo, inclusive sobre Dona Monina. Ele advertiu que ela não costumava aceitar alunos, que era muito reservada, etc., e sugeriu que enviasse uma carta com uma gravação para ver o que acontecia. Qual não foi minha surpresa quando recebi sua resposta, não apenas abrindo as portas para um contato permanente, mas também com uma análise completa e sugestões de mudanças para cada música que enviei na fita cassete. Logo surgiu a oportunidade de viajar ao Uruguai em 1993 e ficar uma semana tendo aulas particulares com ela, aulas estas que costumavam durar a tarde inteira, e alguns dias até tarde da noite. E ela detectou o problema: eu não tinha idéia do que era Interpretação Musical, e foi aí que comecei a aprender e, mais tarde, a me especializar no assunto. Nosso contato perdurou até seu falecimento em 2010, pessoalmente, por telefone, ou pelo envio de gravações. Posso dizer que não só aplico os conceitos da metodologia de Dona Monina, mas cada nota que extraio do violão tem um porquê baseado em sua filosofia musical.

Quando você ingressou na universidade muita coisa mudou no seu estilo de tocar, ou tudo já estava resolvido?

Estudar na USP era o sonho de qualquer adolescente na época, porém as perspectivas de passar no vestibular eram remotas porque minha família passava por uma séria crise financeira. Mas com muito esforço e dedicação, consegui vencer o vestibular e entrei para o curso. Este me deu não apenas uma formação geral e teórica mais adequada e organizada, como gerou oportunidades de participação em eventos externos, tanto no Brasil como no exterior, quando tive a oportunidade de participar do Festival de Kyoto, no Japão. Anos mais tarde, retornei à mesma instituição para realizar uma pesquisa inédita, em nível de doutoramento, sobre as Folias de Espanha.

Como é a sua rotina de estudo?

Meu único critério de estudo é a freqüência diária, mas não há uma rotina fixa, pois isso acarretaria em monotonia, o que seria nocivo ao trabalho de criatividade musical. Entretanto, trabalho sempre em etapas, que são flexíveis e não têm ordem fixa: memorização de novas peças, leitura à primeira vista, técnica pura ou aplicada, manutenção de repertório. Recomendo o mesmo processo aos meus alunos. Quanto à duração, costumo me organizar para dedicar o tempo necessário para resolver os problemas técnicos e musicais do repertório que estou trabalhando. E, devido fato de ser professor universitário e não ter a obrigação de fazer longas turnês, tenho muita liberdade neste sentido.

Noto que sua anatomia da mão direita é um pouco diferenciada, da grande maioria dos violonistas. Como o diferencial da Ida Presti, será o segredo pra um som tão cheio de diferentes cores, clareza, que você consegue extrair do violão?

Não diria que a anatomia seja diferenciada, mas a postura livre e a flexibilidade que aplico ao tocar. Noto que a maioria dos violonistas tem uma preocupação obsessiva em adotar uma determinada escola, com um “shape’ de mão específica, visando eficiência técnica. Na verdade, é o contrário: a eficiência técnica surge quando não há uma postura definida. Vejo essa questão com muita seriedade, pois há inúmeros casos de estudantes de violão que passam vários anos estudando com um professor que é adepto de uma escola X e depois passam a estudar com outro professor pertencente à escola Y. Como, via de regra, esse professores costumam obrigá-los a mudar a técnica, o resultado é a alta incidência de problemas de saúde muscular e motora no mundo do violão clássico. O segredo para o colorido e a clareza no som, para mim, é apenas um: flexibilidade!

Fale-me sobre os concursos de violão e o seu disco de estréia.

Fui vencedor de vários concursos, mas logo percebi que esse caminho não me levaria ao ponto de excelência artística que eu buscava e parei de participar de concursos muito antes da idade limite de 30 anos. Tenho relativamente poucos títulos em meu currículo, mas todos de enorme importância. Os primeiros concursos que participei, entre 1985 e 1990, foram importantes para eu entender qual era o nível do violão no Brasil, mas após essa época eu simplesmente não suportava mais o ambiente pesado entre os concorrentes, e a mistura de adrenalina com terrorismo psicológico que emana desses ambientes.
Meu disco de estréia - PRAELUDIUM - foi uma experiência maravilhosa, que me trouxe um grande reconhecimento no Brasil e um amadurecimento musical intenso. Eu tinha acabado de terminar o curso de graduação na USP e estava muito entusiasmado com as descobertas interpretativas com Dona Monina Távora. Achava que era o momento de arriscar e realmente o trabalho foi ousado. O repertório escolhido foi ambicioso, mas consegui dar conta do recado. A novidade, na época, é que eu fui um dos primeiros violonistas brasileiros a gravar no novo formato de CD - a tecnologia preponderante ainda era a do vinil - e, até onde sei, o primeiro brasileiro a gravar a ‘Chaconne’ de Bach. Embora eu tenha evoluído “anos-luz” desde a gravação deste CD, é um trabalho de que me orgulho até hoje.

E o encontro com a obra pra violão do Francisco Mignone, teve alguma importância na sua maneira de tocar, já que o compositor não era violonista? Fale-me sobre as gravações que você fez dos 12 estudos do F. Mignone?

O CD FLAVIO APRO INTERPRETA MIGNONE foi fruto de um trabalho de dois anos de intensa preparação. A intenção inicial não era gravar os 12 Estudos de Mignone, mas a pesquisa de mestrado sobre essa obra que resultou na famosa dissertação, que hoje é uma forte referência acadêmica na área de Performance Musical. A instituição onde eu desenvolvi a pesquisa, UNESP, havia disponibilizado uma verba para a gravação dos 12 Estudos, mas o processo se burocratizou de forma a inviabilizar o projeto de um CD institucional. Assim, novamente eu assumi um lançamento independente. A tiragem foi mínima, apenas 500 cópias. Mesmo assim, este foi um trabalho que me trouxe um amplo reconhecimento acadêmico e internacional, pois o disco circula muito na internet, até hoje. O selo Tasto, do México, está preparando um relançamento deste CD, que contará com uma tiragem maior e a distribuição internacional.

Hoje que você é mais maduro, te faz pensar que poderia ter feito uma programação de estudo diferente, ou repertório, ou tudo foi perfeito? Hoje o que você aconselharia pra quem está iniciando no violão clássico?

Creio que tudo foi justo e perfeito na minha formação musical, na medida em que os acertos permanecem até hoje comigo e os erros me trouxeram a reflexão e a experiência que hoje transmito aos meus alunos. Meu conselho para os estudantes é reforçar o que disse na questão sobre a postura de mão direita: evitar o radicalismo das técnicas. E se eu pudesse fazer algo diferente? Teria participado de menos concursos de violão... :)

Sua mais recente gravação "O Violão Brasileiro" também terá lançamento em vinil, conforme seu blog, por causa da boa aceitação e todo o romantismo dos LPs. Eu, por exemplo, gostaria de ter seu disco "Praeludium" em LP! Pode comentar a respeito?

Como relatei, minha infância foi cercada de boa música, e na década de 70, o único formato era o vinil. Assim, em primeiro lugar, o lançamento de um vinil funciona, para mim, como a realização de um sonho. Depois, estou percebendo o gradual retorno ao formato Long-Play, especialmente na Europa. O vinil é fundamentalmente uma experiência tátil, visual e auditiva. Manusear o disco, colocá-lo no toca-discos, apreciar a arte estampada em tamanho grande, ler o encarte e a contracapa, trocar de lado e ainda ouvir um som que possui vantagens cientificamente comprovadas sobre o som digital, faz com que a experiência de ouvir o Long-Play seja um privilégio.

Quais violões você utiliza? São os mesmos nas gravações? Tem algum mais preferido, ou que ainda não adquiriu?

Sou relativamente uma pessoa modesta e de quase nenhum hábito consumista, mas se tem algo de que não abro mão é comprar ótimos instrumentos. Minha coleção é pequena, mas de qualidade absoluta: dois violões construídos por Sérgio Abreu (2010, 2013) de abeto; um Lineu Bravo (2006) de cedro; um David Hirschy (1979) de abeto completado pelo Sérgio Abreu; e um Hermann Hauser III de abeto que será entregue em 2014. Um violonista famoso costuma dizer que jamais faria um investimento num Hermann Hauser I, que é o instrumento mais caro e raro do mercado de violões. Pois eu compraria sem nenhum arrependimento. O motivo? Porque um excelente violão soa maravilhoso nas mãos de quem conhece o som, e isso é algo que eu sei fazer muito bem.

Basicamente todos os meus discos têm o som de instrumento feito pelo Sérgio Abreu: o PRAELUDIUM foi gravado com um S. Abreu; o MIGNONE foi também com S. Abreu; e meu próximo CD, NOCTURNE, será gravado com o Hirschy-Abreu. A exceção fica por conta do VIOLÃO BRASILEIRO, que foi gravado com o Lineu Bravo.

E os projetos pra 2013, como estão?

2013 está sendo um ano muito produtivo. Além da conclusão do CD O VIOLÃO BRASILEIRO e o relançamento dos 12 ESTUDOS DE MIGNONE, estou preparando o CD NOCTURNE, que é uma proposta musical ousada em termos de mercado de violão, pois será um disco composto de obras lentas e meditativas, em homenagem à memória de Dona Monina Távora. No que se refere às apresentações, acabo de retornar de uma exitosa viagem ao México, onde lecionei, dei concertos e gravei para rádio e televisão, com transmissões em rede nacional; estou de malas prontas para apresentações nos Estados Unidos; e no segundo semestre farei uma turnê pela Europa para apresentações e aulas na Alemanha, Polônia e Croácia. No âmbito acadêmico, participarei de alguns colóquios nacionais e estou me preparando para um pós-doutoramento no exterior - mas ainda não decidi o destino. E como produtor, estou trabalhando em parcerias para a promoção de alguns eventos internacionais, como a vinda ao Brasil da Orquestra de Violões Niibori do Japão e a etapa sul-americana do Concurso Internacional Johann Sebastian Bach, em parceria com Alemanha e Japão.

Agradeço a gentileza por esta entrevista, e espero que suas interpretações sejam sempre bem capturadas em gravações, satisfazendo assim, nossos ouvidos ávidos pelo violão bem tocado, pois você é um grande personagem da história do Violão do Brasil!

(Entrevista concedida a Marco Cardozo em 23-Fev-2013, via e-mail).