quinta-feira, 31 de julho de 2014

Entrevista com o Luthier Ricardo Dias, do Rio de Janeiro



Marco Cardozo - Eu ouvi falar de você há bastante tempo, e principalmente, li matérias de revistas especializadas em violão, onde você ensinava sobre construção e manutenção do instrumento. Quando você começou com luteria e com quem estudou?
Ricardo Dias - Eu estudei com Mario Jorge Passos, de quem fui auxiliar. Mas aprendi muito com o José Chagas e o Sérgio Abreu. 


MC - Antes da Luteria você estudou violão formalmente, chegou a fazer recitais?
RD - Sim, eu fiz alguns, coisa modesta, pois nessa época eu já estava interessado em Luteria. Depois tentei dar uma retomada, estudando com Leo Soares e Henrique Pinto, mas não deu mais. Foi levando meu violão para regular que conheci o Mario Jorge, e aí me “converti”.


MC - E sua relação com o luthier Sérgio Abreu, se deu de que forma?
RD - Ele fez alguns violões com o Mario, de quem era amigo. Quando levei o tal violão para consertar ele me sugeriu que comprasse um melhor, no caso um Giannini modelo Abreu, cujo tampo era feito integralmente pelo Sérgio. O conheci nessa época, comprando o tal violão. Passamos a nos encontrar em recitais, algumas reuniões sociais, fomos ficando amigos. Ele na verdade meio que me “educou” musicalmente. Era meu violonista favorito, e ao longo dos anos me ensinou muito sobre música de um modo geral, não apenas violão.
 

MC - Qual seria a sua principal influência ou inspiração para construção de um violão?
RD - Sempre meu gosto pessoal. Eu acho que se eu não ficar satisfeito não tem graça construir. Se o cliente não gostar há diversos excelentes luthieres a quem ele pode recorrer. Meu trabalho sempre esteve ligado ao prazer, ao orgulho de fazer algo que ME agrade. O resto é consequência. Mas em termos de influência, sempre o Hauser I. É disparado o melhor luthier de todos os tempos, na minha opinião.
 

MC - Eu ouvi falar que você já teve um projeto de cópia do Hermann Hauser de 1937, isso procede?
RD - Procede. O projeto está parado provisoriamente, por problemas de saúde. A coluna me impede de construir como gostaria. Vou fazendo aos poucos. Mas note que é uma homenagem, não é por ter a planta de um Hauser que o violão soa como um. O violão soa como a mão de quem o faz, sempre.


MC - Atualmente você teria disponibilidade pra fabricação de uma réplica, ou gosta de desenvolver um instrumento mais pessoal?
RD - Como eu disse, não estou construindo, mas réplicas nunca fizeram parte do meu trabalho. Eu busco um som pessoal, um ideal interno que não será atingido por cópia nenhuma.




MC - No tocante às madeiras, qual seria um bom substituto para o Jacarandá Bahiano utilizado na lateral e fundo do violão?
RD - Qualquer madeira dura e flexível. Eu pessoalmente gosto muito de Gombeira e Jacarandá Indiano.
 

MC - Em que tom a tampa pode ser afinada e que você acredita que o violão soe melhor? Existem diferentes tonalidades nos instrumentos dos famosos como Ignacio Fleta, José Ramirez, Hermann Hauser, etc?
RD - Depende do que se deseja. Eu nunca me preocupo muito com essas coisas, eu me preocupo mais com o resultado final, e pensar em termos de tons durante o processo me afasta do foco. O que algumas pessoas não se dão conta é que o tampo solto soará diferente quando for colado. E todas as vezes em que vi grandes violões, suas tonalidades eram totalmente distintas, mesmo entre os do mesmo construtor.
 

MC - Eu não gosto de violões com acabamento totalmente em goma laca, que ficam com aquela aparência meio fosca. A utilização de P.U., Nitrocelulose ou Goma Laca tem muita influência na sonoridade do violão, ou tem muito mito a respeito?
RD - O resultado da goma laca depende de quem aplica. Ela pode ficar tão brilhante quanto verniz sintético, e com um ar muito mais nobre, embora eu pessoalmente prefira um toque mais acetinado. Fazer diferença faz, no corpo, mas usar um verniz sintético certamente aumenta a proteção. Mas no tampo, simplesmente não é admissível nada que não seja Goma Laca (ou verniz de violino, mas esse tem problemas com secagem). Nitrocelulose, em instrumentos de cedar, talvez, Poliuretano jamais. Só no corpo, nunca no tampo. A diferença de sonoridade é dramática, num bom violão. Vernizes sintéticos matam os harmônicos mais bonitos.
 

MC - Qual a melhor regulagem para a altura das cordas no primeiro e no décimo segundo trastes, pra que tudo soe bem, sem "trastejamentos", independentemente do estilo que se vai tocar?
RD - No primeiro, um pouco mais alto que a altura produzida sobre o segundo traste quando se pressiona na primeira casa. No 12º traste depende: no clássico, quando se toca forte, 4.5mm no bordão, 3 na prima. Quando a pessoa apenas vai tocar um acompanhamento sem passar da quinta ou sexta casa, pode ser bem mais baixo, tipo 3 x 2. Ou seja: o primeiro exemplo serve para todos, embora fique um pouco duro; no segundo, não rola um solo bem tocado, então a resposta para tua pergunta seria a primeira regulagem, mas o ideal é particularizar.
 


MC - Como é o polimento ideal para os trastes do violão, que difere da guitarra elétrica, e uma pessoa pode fazê-lo em casa?
RD - Tem um vídeo meu no "Youtube" mostrando. "Bombril" na escala, com bastante força, a cada 6 meses, mais ou menos. Em violão, em escalas envernizadas como as de guitarra, não rola!
 

MC - Comente sobre os violões mais modernos, e trace uma comparação entre os mais tradicionais, se possível citando alguns construtores, como referência?
RD - Bem, aí prefiro falar de “escolas”. Não gosto dos ditos modernos, os double tops e os de escola australiana. Parecem ter mais volume, mas eu sempre digo que é um salto de elefante: impressiona, mas não vai longe. Eles não têm muitos detalhes no seu som, é bastante chapado, pelo menos os que vi até agora. Meu ideal sonoro é outro.
 

MC - O "bom luthier" tem uma coisa que eu sempre digo, que é o "padrão de construção", gostaria que você comentasse sobre os violões do Sérgio Abreu, e se possível sobre a sua procura pelo som do próprio violão Hermann Hauser que ele tocou muito tempo e que fora presente da mestra Adolfina R. de Távora?
RD - O padrão do luthier é sua impressão digital. Uma vez que ele domine os princípios de sua profissão, seu “Dna” fica gravado em todos os instrumentos que fizer, daí meu descrédito com cópias. O velho Hauser usava plantas totalmente diferentes, e seus violões tinham sempre a mesma - excelente - cara. Um erro recorrente dos iniciantes é esse, ficam fazendo experiências meio aleatórias, onde não têm como cotejar seus próprios resultados. O Sérgio, desde sempre, tinha seu ideal, que era semelhante ao seu violão. Este instrumento foi o que Romanillos usou como modelo para fazer seus primeiros violões, incluindo o mais famoso deles, que Bream usou por muitos anos. Mas logo Sergio percebeu que não adianta tentar fazer um Hauser, tem é que buscar seu ideal pessoal (que pode ser semelhante a outro, no caso o próprio Hauser) e correr atrás. Não da cópia, mas de sua interpretação daquele som.
 

MC - Não sei se você concorda com o meu questionamento, mas por que os jovens violonistas estão tocando tão diferentes do Andrés Segovia, ou do Marcelo Kayath, ou A. C. Barbosa Lima? Seria também por culpa da escolha do instrumento com mais volume?
RD - Não sei. Quando eu estudava – tenho a mesma idade do Kayath, ou um ano a mais – não havia muita facilidade de nada, lembro claramente a primeira vez que vi um vídeo de Segovia. Foi um deslumbramento! A gente não tinha acesso toda hora a tudo, então, talvez, sonhava mais, polia mais. Hoje as coisas são mais imediatas, e a relação com a técnica mudou. Sem esse espírito de busca, a coisa fica limitada. É MUITO mais fácil fazer uma escala a 150 sem errar que fazer uma escala como Segovia, cantando uma nota no meio, por exemplo. Uma depende de treino, quase que mecânico, a outra depende de arte. E hoje há muito mais barulho que antes, as minúcias vão se perdendo. A meninada precisa sonhar mais, ser mais romântica, procurar sons que não conhece. Esses instrumentos facilitam esse tipo de busca, são mais fáceis de tocar - têm menos harmônicos, é mais fácil tirar o dedo -, dão mais retorno a quem toca, aumenta a segurança de quem toca. Mas é bem mais difícil extrair minúcias, detalhes, que um bom violão tradicional. O fato é que temos excelentes violonistas, mas sem uma marca pessoal, individual.
 

MC - Dê uma orientação pra quem quiser começar a tentar construir algum instrumento acústico?
RD - A primeira coisa é achar um luthier para encher a paciência - desde que não seja eu. Não tendo, livros são importantes, mas a maioria é em inglês. Mas supondo que a pessoa esteja fazendo o instrumento, o melhor conselho é: não reinvente a roda. Faça o primeiro violão de forma tradicional, num formato que seja reconhecido, e o segundo com pequenas alterações, de forma a que qualquer mudança no som tenha a causa facilmente identificada. Lá pelo quarto ou quinto aí sim, começar a fazer mudanças mais radicais, caso deseje. A coisa mais comum é luthieres iniciantes fazerem instrumentos muito irregulares, justamente por não controlarem tecnicamente todo o processo.





Agradeço a disponibilidade do Ricardo em dividir conosco seus conhecimentos e experiências.

Grande Abraço,

Marco.

Entrevista realizada por rede social, em 30 de Julho de 2014.
Fotos cedidas pelo entrevistado.

4 comentários:

Anônimo disse...

Arrogante ignorante, lá no violão.org ele se acha o todo poderoso,. Tem que ter humildade,

Anônimo disse...

Verdade, eu também tive um dissabor lá nesse fórum, o cara me esculachou e o fórum finalizou o tópico sem me dar o direito de réplica ou defesa, esse cara não merece essa bola que levantam p ele, bando de bobos, antes de tudo, respeito e bom p todos!!!!!

Oran disse...

Muito gente boa algum mal entendido. Ajuda muita gente nessa arte magnífica.

Anônimo disse...

O Ricardo é um profundo conhecedor não só na luthieria, mas na música, generosidade admirável